domingo, 6 de fevereiro de 2022

Pátria A(r)mada



TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA  DESTA

PÁTRIA A(R)MADA

1

Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria  com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.

Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.

2

Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.

Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?

3

Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica

profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.

Ademir Assunção – poetaescritorjornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.


Impressões (iniciais)

de "Pátria A(r)mada":

Por Nic Cardeal

 Ademir Assunção está corretíssimo - sua poesia, Artur, não é literatura que se conforma em permanecer apenas nas páginas de um livro, pois a sua palavra é feita muito mais de som - de GRITO! - do que de apenas letras grafadas sobre o papel. E esse som entra não somente pelos ouvidos, mas também transpassa através da pele e por toda a cartografia do corpo, como uma tatuagem latejante, marcando fundo todas as suas texturas, até alcançar as veias, os veios, misturando-se ao sangue, à seiva nossa de cada dia, para finalmente alimentar a alma com força, resistência, e também com a revolta/dor necessária à sobrevivência da esperança! Em "Pátria A(r)mada" essa revolta é imensa, diretamente proporcional aos absurdos do capitalismo que nos tem devorado em variados âmbitos e sentidos. Sua inquietude poética é a força necessária para que não sucumbamos nos abismos do conformismo e da resignação, e possamos seguir adiante, ainda que os tempos estejam cada vez mais obscuros... mas há também o amor (ainda bem!), sobreposto à miséria da realidade nua e crua de um país despedaçado e submisso às mais variadas formas de violência daqueles "poderes" desumanos, armados até os dentes... Muito bem escolhido o título do livro, que de "Pátria amada" foi transformado em "Pátria armada", retrocedendo a um fascismo nojento após o golpe explícito de 2016. A sua denúncia é política, social, cultural, humanitária, ética, estética - e poética! Lerei muitas outras vezes, para absorver com mais vagar cada poema! Parabéns!

Sua poesia é viva - e é vida! Adorei! Grande abraço!


foto: Welliton Rangel 


fome

 come osso menina

come osso menino

não há mais metafísica no mundo

do que comer osso

 

no açougue ou no mercado

osso de graça já foi dado

hoje é vendido hoje é comprado

 

come osso maria

come osso mané

come osso joão

com arroz e feijão quebrado

 

porque nesse país sem nome

temos que comer osso

para matar a nossa fome

 

 já podeis

da pátria, filho

ver demente

a mãe gentil

 

já raiou

a liberdade

em cada cano de fuzil

 

salve lindo

fuzil que balança

entre as pernas

a(r)madas da paz

 

a  gripezinha

era a certeza esperança

de um genocida

imbecil incapaz



antropofagicamente

vamos comer  devorar 22

por  dádiva do divino

ou desse ser que não tem nome

 

vamos comer - devorar 22

como quem come ossos bovinos

 para não morrer de tanta fome

depois 


 

A vida

sempre em  suspense

alegria prova dos nove

fanatismo nã0 me convence

muito menos me comove

 


 navegar é preciso

           para Fernando Aguiar

 

Aqui redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras  descobrimento

espinhas de peixe convento

cabrálias esperas relento

escamas secas no prato

e um cheiro podre no AR

caranguejos explodem

mangues em pólvora

 

é surreal a nossa realidade

tubarões famintos devoram cadáveres

em nossa sala de jantar

 

como levar o   barco

em meio a essa tempestade

navegar é preciso

mas está dificilíssimo navegar 



Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer

 

mas como me disse mallarmè

:

- vida não é lance de dedos

A vida é lança de dardos

Deus não arde no fogo

                   mas eu ardo

 

                                                      EuGênio Mallarmè 



poema a(r)mado

 

todo os dias

capino a esperança

escavando outras palavras

no chão desse quintal

 

e quando escrevo com enxada

                   o poema é mais real

 

cacomanga

 na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura        é uma palavra que não cabe nunca mais


 

quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema           que não me dá sossego


testamento

 

a tesoura rasga o tecido da carne

enquanto sangra

no processo cirúrgico do poema

corta de cada palavra a sílaba

que não presta

de cada frase a palavra

de cada sílaba a letra morfa

e o poeta vai vivendo no que resta 


fulinaíma sax blues poesia

 

                     ela era Bruna

em noite de blues rasgado

soltou a voz feito Joplin

num canto desesperado

por ser primeiro de abril

aquele dia marcado

 

a voz rasgou a garganta

da santa loucura santa

com tanta força no canto

que até hoje me lembro

daquela musa na sala

 

com tua boca do inferno

beijando meus dentes na fala 


 

no universo paralelo

tenho mestrado Bíblico

em chá de cogumelo

 

                    Federico Baudelaire

 

 pássaros elétricos

vivem a vida por um fio

 

                                                 Federika Bezerra 


                                       Dê livros

                                       Dê Beijos

                                       Dê Lírios

                         


pan(demônica)

para Salgado Maranhão

inspirado no seu poema Pá

 

passeio os pés descalços

sobre covas rasas

contando ossos no poema         

                                                   Gigi Mocidade exposto

no sujeito do objeto

 

tudo isso exposto

nesse papo reto

segue o passo norte

 

não leio cartas de suicídio

nem decreto de hospício

na tentação que me conforte

 

quero matar o genocídio

pra não morrer antes da morte 



  metáfora

 

meta dentro meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
            meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
            na carne seca do futuro 
            meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro



Quem

cada poeta tem a sua pessoal linguagem vertigem voltagem espanto. alguns tem até desmaios. uns escrevem outros cantam outras falam. conheci um que me dizia ouvir vozes não só apenas Ferreira Gullar. uma outra queria ter meu fogo. uma outra é a mulher que só em sonhos sabe o quanto bem-me-quer. outra se assanhava diante do espelho. alguns são mágicos como uns que brincam com o sal do maranhão. outros são flechas certeiras atiradas em nosso peito. dois que conheci dando os primeiros passos um pensava na fábrica o outro em Regis Bonvicino, hoje um corsário o outro cult. nem sei porque estou escrevendo isso. é que ontem conversando com um por telefone descobri mais um montão de particularidades sobre ele. conheci um também grande mestre e amigo que só queria saber de escritemas e gostava de ensinar curto circuitos. agora esse é Quem e chegou ontem em Campos na casa da minha irmã depois de 2 meses postado nos correios em São Paulo. me lembro agora dos passeios com Flora na praça General Osório em Ipanema que encontrava sempre um que me dizia ter um poema escrito só com a palavra Bunda mas que só permitiria ser publicado depois da sua morte e gostava de afirmar também que prefácio não é bengala. eu sou um Homem Com A Flor Na Boca, de cactos, de lótus, de lírios que me trazem conteúdo. e baudelérico baudelírico despetalo pétala por pétala com espinhos com talo com tudo.


Couro Cru & Carne Viva 




terra de santa cruz


I

ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme

 

II

salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes

III

salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

 

IV

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram

no Ipiranga

às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta


V

só desfraldando

a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios

dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza

com a pátria mãe que nos pariu

1º de Abril


telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta


 

telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta



VI

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl

minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul

VII

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:


meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná

VIII

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank

IX

ó baby a coisa por aqui

não mudou nada
embora sejam outras

siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema


 

 BraZílica Pereira

neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha

não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
     já estão desenganados

     desta sopa de farelos  


PESSOA

 não tenho pretensões

de ser moderno

nem escrevo poesia

pensando em ser eterno.

 

veja na minha língua

as labaredas do inferno

e só use o meu poema

com a força de quem xinga.


GENITAL

 pasto no cosmo

a soja secular de Jardinópolis

onde os discos-voadores

sobrevoam meu nariz

na cara das metrópoles.

 

no centro ao sul

os cemitérios

possuem mais mistérios

que a nossa vã filosofia.

 

tem um animal de vagina espacial

na poesia

&

e um grande pênis roxo

milenar

feito espiral em círculo

preparando imenso orgasmo

pra festejar o fim do século. 



TROPICALIRISMO

 

GIRAssóis pousando

Nu – teu corpo: festa

beija-flor seresta

poesia fosse

 

esse sol que emana

no teu fogo farto

lambuzando a uva

de saliva doce.


 

LENÇÓIS DE RENDA

 poderia abrir teu corpo

com os meus dentes

rasgar panos e sedas

 

com as unhas

arreganhar as tuas fendas

desatar todos os nós

 

da tua cama arrancar os cobertores

rasgando as rendas dos lençóis

 

perpetuar a ferro e fogo

minhas marcas no teu útero

meus desejos imorais

 

maldizendo a hora soberana

com a força sobre humana dos mortais

quando vens me oferecer migalha e fruto

como quem dá de comer aos animais

 

 ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS

 

O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?

O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?

 O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.

ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de poeta delirante  nesta noite cada vez mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?

 

 

LUNÁTICA

um gato noturno

atira pedras nas estrelas

palavras e mais palavras

na carne da princesa.

 

onde o papel não bate

onde o pincel não toca.

 

o gato noturno lambe a barriga

bem perto da virilha

e trepa

no muro mais próximo

tentando alcançar o outro lado da lua

em seu instante letal

de desespero       e                       solidão. 



                                    FROYDIANA

azul são os teus olhos

a cor dos pelos não conheço

teus seios ainda não toquei

 

Dracena – é uma terra roxa

nave extra terrena

que humanos não decifraram

pequena vagina virgem

onde os dedos ainda não entraram

 

e os cachos de uvas

apodrecem nos teus dentes

com um cheiro de leite ardente

esguichando na distância.


 

 pá t ria a(r)mada

 só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o seu destino

 

e só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os seus meninos

 

só me queira enfeitiçado

veloz macio felino

em pelo nu depravado

em sua cama sol à pino

 

e só me queira desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino 



alguma poesia 


não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.

 não bastaria a poesia cristalina  se rasgando o corpo estão muitas meninas tentando a sorte em cada porta de metrô e nós poetas desvendando palavrinhas vamos dançando uma vertigem no tal circo voador.

 não bastaria todo riso pelas praças nem o amor que os pombos tecem pelos milhos com os pardais despedaçando nas vidraças e as mulheres cuidando dos seus filhos.

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador aparentando realismo hipermoderno num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez esse gosto de coisa do inferno como provar do amor no posto seis

numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos

 não bastaria toda poesia que eu trago em minha alma um tanto porca, este postal com uma imagem meio Lorca: um bondinho aterrissando lá na Urca e esta cidade deitando água em meus destroços pois se o cristo redentor  deixasse a pedra na certa nunca mais rezaria padre-nossos e  na certa só faria poesia

 com os meus ossos.

 





Suor & Cio 



                                         Indigesta

 ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz

 

onde se deu 1ª missa

 índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

oh! My  Brazyl

ainda em alto mar  

Cabral quando te viu

foi logo gritando:  

 

- Terra à  Vista!

 e de bandeja te entregando

pra união democrática ruralista.

por aqui nem só beleza

nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza

 país de tanta miséria



Tecidos sobre a Terra

Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida

entre aberto em teus ofícios é que meu peito de poetasangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se espalha

amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente fértil
nos teus seios como um rio

o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por fidelidade

ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e um punhal diamante

minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança
plantada em ti como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta


 

MOENDA

 

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço

usina
mói o braço
a carne o osso

usina
mói o sangue
a fruta e o caroço

tritura suga torce
dos pés até o pescoço

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro

 


carne proibida

 

o preço atual

proíbes que me comas

mas pra ti estou de graça

pra ti não tenho preço

sou eu quem me ofereço

a ti: músculo e osso

leva-me à boca

e completa o teu almoço

 





BraziLíricaPereira :

 A Traição das Metáforas 


1968

 ou

: a investigação

uilcorneana

 

quem és tu uilcon pereira

que foste fazer na sorbonne?

 ter aulas com Sartre

ou cantar a Simone?

 

   drummundana itabirina

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca. 



                           poema 1

 entre a pele e a flor no asco com meia sola no sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor e  o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba sendo


                            poema 2

 debaixo da sacada a escada torta

pássaro sem teto acima do delírio

coração de porco crava no oco da noite

a faca cega, punhal de cinco estrelas

na constelação do cão maior

por onde Úrsula nua passeia

Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá

 

no coração do pintor sem fronteiras

acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá

Malásia não é aqui Espanha não além mar

Salvador não é Dali

a mulher que eu quero mesmo

e uma Dedé que não Dadá

Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá

constelação ursa maior

pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor

quando quero quero mesmo

espuma nylon pele tecido isopor.


              

poundianna

 Torquato era uma poeta

que amou a Ana

Leminski profeta

Que amou Alice

 

um dia pós veio Uilcon torto

pegou a Jóia di Ana

 e juntou na PereirAlice

 

com o corpo de alma das duas

foi Bouvoir Assombradado

pra lá de França ou Bahia

roendo o osso do mito

pois tudo que Sartre dizia

o Anjo jurou já ter dito

 

Nonada

:

-  Biúte ria

 

 

 poema seis

 

estando quase

sempre e mesmo

estando

esteja breve

assim como uma letra

escrita a lápis

numa estrela

aquarela rabiscada a giz

 

estando por um raio

esteja por um triz

 

 

curto circuito


quem disse que amor
é mudo
surdo
cego
não sabe o que carrego

em meu estado de sítio
em meu instante  de surto


                     

                         fulinaimicamente

 do som dessa palavra   nasce uma  outra palavra fulinaimicamente  no improviso do repente do som dessa palavra nasce uma outra palavra fulinaimicamente

brasileiro sou bicho do mato brasileiro sou pele de gato brasileiro mesmo de fato yauaretê curumim carrapato

em rio que tem piranha jacaré sarta de banda
criolo tô na umbanda índio fui dentro da oca
meu destino agora traço dentro da aldeia carioca

Jackson do Pandeiro Federico Baudelaire nas flores do mal me quer Artur Rimbaud na festa de janeiro a fevereiro Itamar da Assumpção olha aí Zeca Baleiro  no olho do mundo cão


fulinaíma

 

misturei meu afro reggae a muito xote do xaxado ainda fiz maracatu maxixe frevo já juntei ao fox trote quando dancei bumba-meu-boi em Pernambuco

fulinaíma é punk rock rasgando fados em bossa nova feito blues para pintar a pele branca de vermelho e repintar a pele preta de azuis...

botei sanfona no rufar desse baião tambor de minas capixaba no lundu no Paraná berimbau de capoeira dancei em noites de luau no Maranhão

mas em São Paulo as pedras quando rolam pelos céus de nossas bocas meu irmão fulinaíma azeita o caldo da mistura para fazer o que não jazz ainda soul

porção de restos de alguma partitura que algum músico com vergonha recusou por ser estranho o que naquilo descobriu mas se a gente canta no cantar essa ternura é que mamãe mamãe mamãe macunaíma ainda chora pelas matas do brasil

 

pornofônico confesso


se este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes  espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro   fora em  pornografia sonora me diga Lady Senhora nestes teus setenta anosse nunca gozou pelos ânus me diga Bia de  Dora num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora?


vampiresco

um conto mínimo 2

 o senhor dos anéis não mostra os dedos  muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro


poética 93

 

tenho nojo do Agro 

Negócio que me dá asco
por tanta perversidade
quem planta veneno
é carrasco 
assassino da humanidade


antes que seja tarde

 

qualquer palavra é um risco 
qualquer poema eu arrisco 

mesmo quando cilada
bala carro/usado facada
compra venda laranja goiabeira

 

o lança chamas no circo

o dado lance no jogo

a mulher que come fogo

congresso de picadeiro

trapacear no senado é mágica

executivo carniceiro

 

poema não é brincadeira

comum baseado no ventre
farinha prisão entridentes
a farsa no país é trágica
e o povo é sempre o indigente



                        mar de lama  

 

aqui tem os mais profundos  bem mais fundo  os mais imundos minerais  o mar de lama mata a mata  não só ferro não só ouro não  só prata mata muito mais  mata também o couro cru  a carne viva                   meus oriundos ancestrais

 

onde a poesia
se espalha 

a língua nativa

não é fogo de palha 
               é brasa viva


pandemônica 2

 

como preservar a Amazônia como exterminar a miséria se as 7 patas da Besta cavalgam pelo  planalto?  poema de 7 foices atrás da face anticristo e nos palácios os crápulas com suas caras de vidro com suas bíblias e vícios   devastam para o pasto pro  gado queimam  florestas e bichos queimam a fauna e a flora matam em nome de cristo por algum pastor são ungidos  nunca vi tanto canalha nesses       pantanais reunidos



                                indicativo

olho dentro do teu olho para que olhe na minha cara e cara a cara me diga a quantas anda a nossa briga do nosso amor pela ética se é tão estranha a poética de só pensar lá na frente que até perdi a conta nesse pretérito faz de contas das quantas vezes que já votei 
pra presidente e o nosso país do futuro
                          nunca chega no presente


                boca do inferno

 por mais que te amar seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter perdão pra nós

eu quero mais é o teu pudor de dama

despetalando em meus lençóis

 

e se tiver que me matar que seja

e se eu tiver       que te matar que morra

em cada beijo que te der amando

só vale o gozo quando for eterno

infernizando os céus

e santificando a boca do inferno



gomes & gumes 

 todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes se um corta com palavras a outra com corte mesmo se um é produto da fala a outra do ódio a esmo todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes e um amor cego nas asas brilhante de vagalumes se em um a linguagem é sacana na outra o corte é estrume todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes se em um peixe é palavra na outra o brilho é cardume é fio estrela na lavra mal cheiro vício costume de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes se em um a coisa é sagrada ofício provindo das vísceras na outra a fé é lacrada hóstia servida nas missas se em um é cebola cortada aroma palavra carniça na outra o ferro, é tempero,  fé cega - fome amolada

 poema é só desespero


por entre trilhos e trilhas

por entre tralhas e troços

nos trapos do lamparão

foto grafando os destroços

dos frutos podres no chão


cacomanga 2

 ali nasci

minha infância

era só canaviais

ali mesmo aprendi

 conhecer os donos de fazenda

e  odiar os generais.


no poema o que ficou?

                         para Cesar Augusto de Carvalho

 

no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues

no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é  pus

no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto

no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto

no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra       tanta cruz.


 

pátria que pariu

                                        para Rubens Jardim

 

os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem futuro peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!

nem sei em que planeta estamos  hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas  esperma já virou porra nesta pá(t)ria que pariu a besta fera

 

mulher dos sonhos        

 ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em  entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas



                  a barra

 o rio é uma passagem

para encarar a barra

                       de frente

 

a rede pode prender o peixe

mas não me prende

                        os dentes

 

 pesadelo  ou  nem Freud explica?

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.


afrodite se quiser

 zeus me fez fulinaímica

neta de macunaíma

bisneta de baudelaire

 

                                               Gigi Mocidade


foto: Welliton Rangel 


grafitemas e figuralidades


estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho 

d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou o que era

 

mini conto - a faca

 poesia não é manchete de jornal para espremer escorrer sangue    e o poema não pode ser facada que entra na carne mas não sangra como aquela em Juiz de Fora que até agora ninguém me explicou o melodrama estava li e não vi Adélio no curral do tal comício palanque armado para levar o brazyl a uma quaderna - pra fazer do país um   precipício


catando cacos de cogumelos azuis


procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando  blues - vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente -  a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto - imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos  surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido - ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole - depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um  passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios - ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão  - vivi-ane quase teve um troço ao ver o utensílio vazio.

 

cabaré brazilírico

 

nesse país

das merdavilhas

podres poderes são formados

                    pelos canalhas das quadrilhas

 

a quadrilha oficial

tem tentáculos espalhados

por todo território nacional

 

o circo está na lona

quero ver quem vai ser

o palhaço dessa zona

 

15 de novembro estou na praça

porque vai ter marmelada

no cabaré da pátria a(r)mada


cacos de cogumelos azuis

 

alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba ariticum lagoa dos paus  sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo



    enigma número 2

 

arde em minha mãos teus poros

minhas unhas ainda queimam

dentro o sal das tuas águas

 

outubro era quase um mar folhas

no coliseu dos emigrantes italianos

e o vinho temperava nossas línguas

                    ao degustar a santa ceia

 

Clarice trigo do pão em minha boca

fermento de Zeus em nossa carne

no vale do Olimpo onde gozamos

os fachos de fogo em nossas veias

em tudo do amor que experimentamos

quando na mesa nos fartamos santa ceia


                         cato caco nos azuis

 

cato cacos de vidros  nos azuis        lâminas  de fogo nesse olho d'água  algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno cato caco de vidros nessa areia carma  e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio  pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios  nos geradores desse  Zeus me livre onde netuno não aporta mais  os      seus navios


com as unhas

       entranhadas em tuas coxas

 

                                 escrevo como quem

cata estrelas do mar na areia da praia

como quem come o rabo da arraia

                  montado no cavalo marinho

 

lambendo escamas de sereia

com os dentes cravados na memória

e as unhas entranhadas em tuas veias

          na espuma branca de um pergaminho

 



psic/analítica

 

não durmo. sonho.  Dédala passeia em minha cama sob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos  nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus  para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos

ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado

 nem à vista        porque  não pode se envolver


 

vertigem 12


o barro do valão
que meus pés pisaram
impregnou o sangue
transpirou nos poros

 

o limo embaixo das unhas
lembra-me o lugar de onde vim
cacomanga me re-inventei Diadorim

 

não tracei a linha reta
já nasci um anjo torto

nada em mim se concreta

no meu sonho - desconforto

 

tudo em mim é impossível
até mesmo imprevisível
muito mais que inalcansável

 

não gosto de automóvel
muito menos televisão

cresci por dentro do mato
conheci olho de cobra
pulo felino de gato
         dentes afiados de cão





concretude versus conkrEreções


Delírica

 

da janela  vou olhando o trilho de ferro

do vagão barato o brasil do globo   fica

lá distante em brazilírica  lá no meio do

mato.           a carne bela não viaja aqui

nem mora por perto da estação da  luz

aqui tem merda carne de terceira   lixo

de primeira   pele        podre             pus 


nunkrEreção negróide nada

 

nada nasceria naquela nação     naturalmente naquela noite natimorta  nadavera     naverouca nenhuma nave nenhuma louca nenhuma nara não nasceria naquele norte     nortistamente nem novidade naquele nojo    nenhuma pouca naquela nuvem naquele nível      naquelenada nunkrEreção  nunkrerefalo        nunkrerequero nordestamente nada   nasceria        naquele clero nem mesmo apolo num dionísio nem   mesmo nero  nenhuma ninfa nunkrere nunca naquele    narda  nenhuma nívea nenhuma névoa nenhuma násia nunca  nascer de novo nem         pedro nava  naquele númem naquele nome naquela   amásia  nem nulidade nunkreretanto nenhuma      náusea não nasceria       naquela nação       naturalmente nenhum nativo naquela noite do    homem farda  nenhum negroide -  negróide nunca negroide nada

 

 

faca uilcônica mortal

 

estanco o cavalo do sonho

no teu quartel do princípio

papel cortado na resma

 

a mula pasta acordada

a besta pulsa assombradada

    no visgo quente da lesma 



trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

                      e os teus

 

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

mastigando a nossa morte

 

mas eles é que  morrerão

meu amor : num grande susto

        quando nus virem

amando nessa cama

         de ferro e de pau duro

 

obs.: este poema foi publicado no livro Suor & Cio -1985 -  musicado pelo saudoso amigo Edmar Ferreira, (Avyadores do BraZyl




poesia para desconcertos 



Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião

 

O poeta

pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento

 

há séculos

não está pra peixe

este mar

 

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

 

linhas de naylon

degolam tartarugas

que morrem náufragas

na Av. atlântica

 

o poeta cata os cacos

que restaram desta pátria desossada

 

                

dentro da noite veloz


... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma  outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer.  e se fôssemos como  dois perdidos numa noite suja  procurando a lamparina para dar a luz luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no  dia ?


poética

 

trave suas baudeléricas estão me dando bad trip essa espessa nuvem de fumaça arregaça  meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta  e eu aqui pensando a quantas andam os projetos do meu filho



incorporação

para Igor Fagundes

 

esse poema bárbaro

com fonema brazilírico

vai fazer meu aramaico

incorporar o seu delírico

 

palavras que incorporo

dança vento movimento

folhas verdes no algodão

 

fulinaíma dançarino

sertão moleque esse menino

do frevo xaxado xote blues rasgado baião







a língua escava entre os dentes 
a palavra nova 
fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 
outras vezes muito cínica 

tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem 


                                                                                          Jura secreta 13 

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 

 

                          

          pele grafia

 

meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

na tua língua com coentro

qualquer paixão re-invento

 

o corpo mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia


                                                                                                  Jura secreta 16

                                              para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari te anteviram  no instante maior da criação  pintura de um arquiteto grego
  quem sabe até filha de Zeus 


e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 

 

  

 Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pelos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa

 

 Jura secreta 27


o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa 
a boca em quantos minutos 

as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 

você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 

o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 

que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
pedaços do corpo do rio 
meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio 

se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 
o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 

meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 

lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 

onde coloca seus versos 
                       me encontro peixe e mais nada 


Jura secreta 29


o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 
é que na sombra da tatuagem  sinal enfim permanente ficou pregando uma peça em nosso passado presente 


o nome tem seus mistérios que se escondem sob panos o sol é claro quando não chove o sal é bom quando de leve para adoçar desenganos na língua na boca na neve 


o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 

 

 

Jura Secreta 37


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 

de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho 


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 
fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 
perfume o odor final do melodrama 
sobras de mim papel e resma  impressão letal dos meus dedos imprensados  misto uma merda amais que tua garra  panela estrada grão socorro: 

a poesia é o fausto de uma farra 

 

Jura Secreta 40

          pontal.foto.grafia 

Aqui, redes em pânico pescam  esqueletos no mar -esquadras - descobrimento  espinhas de peixe convento -  cabrálias esperas relento - escamas secas no prato  e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem  mangues em pólvora  Ovo de Colombo quebrado  areia branca inferno livre  Rimbaud - África virgem  carne na cruz dos escombros  trapos balançam varais  telhados bóiam nas ondas  tijolos afundando náufragos  último suspiro da bomba  na boca incerta da barra  esgoto fétido do mundo grafando lentes na marra  imagens daqui saqueadas  Jerusalém pagã visitada  -Atafona.Pontal.Grussaí -  as crianças são testemunhas:  Jesus Cristo não passou por aqui 

Miles Davis fisgou na agulha  Oscar no foco de palha  cobra de vidro sangue na fagulha  carne de peixe maracangalha  que mar eu bebo na telha  que a minha língua não tralha? penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha  punhal trincheira na trilha  cortando o pano a navalha  - fatal daqui Pernambuco  Atafona.Pontal. Grussaí - as crianças são testemunhas :  Mallarmé passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo  punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro  aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre  sementes de bagre no porto  a porca no sujo quintal  plástico de lixo nos mangues 

 

que mar eu bebo afinal? 

 

                           

                         Jura Secreta 41

 Goytacá Boy  musicado e cantado por Naiman 
no CD fulinaíma sax blues poesia 

ando por São Paulo meio Araraquara 
a pele índia do meu corpo 
concha de sangue em tua veia 
sangrada ao sol na carne clara 

juntei meu goytacá

seu guarani 
tupy or not tupy 
não foi a língua que ouvi 
em tua boca caiçara
 


para falar para lamber para lembrar 
da sua língua arco íris litoral 
como colar de uiara 
é que eu choro como a chuva curuminha 
mineral da mais profunda 
lágrima que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 
na sua pele urucum de carne e osso 
a minha língua tara 
sonha comer do teu almoço 
e ainda como um doido curuminha 
a lamber o chão que restou da Guanabara 


Jura Secreta 43

                veraCidade 

por quê trancar as portas tentar proibir as entradas  se já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço  algumas letras de um alfabeto grego  signo de comunicação indecifrável  eu tenho fome de terra  e esse asfalto sob a sola dos meus pés  agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta  o poema dá um tapa na cara da Paulista  flutuar na zona do perigo  entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa  Caio Prado Martins Fontes  um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta  o correto deixei na Cacomanga  matagal onde nasci  
com os seus dentes de concreto  São Paulo é quem me devora  e selvagem devolvo a dentada  na carne da rua Aurora 


Jura Secreta 53

sagaraNAgens fulinaímicas 

guima 
meu mestre 
guima 

em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 

ave palavra profana 
cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia 
teu grande Sertão vou cumer 

nem João Cabral Severino 
nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia 
me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 

a ferramenta que afino 
roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser 


Jura secreta 57

                               meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece






poeta enquanto coisa 

 

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo  o labirinto

 

de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha

 

de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal meu bem-me-quer na tua boca


tragédia infame

 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha  nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz  a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil estás fudido  brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça

                                                           Federico Baudelaire

Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio  - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus  


 

                                    ancestral

 

há muito tempo não recebo

cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém

 

já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados

na Tapera

para soletrar a palavra ca co man ga

e entender que o barro da cerâmica

trago grudado na minha íris da retina

 

meu batismo de fogo

 foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes

 

mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico

de sonhar com  juízes

e hoje saber o que são

 

minha África

são os olhos negros

de Madame Satã

na língua tenho uma sede felina

na carne essa  fome pagã

sou um homem comum

filho de Ogum com Iansã



 

língua

 

minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa 

                                                     

                                                  mamãe                                                      coragem


numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora  fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora



                 o homem com a flor na boca                                         


                              sorocaba blues

 

o cheiro de terra fendida

ainda está sob os sapatos

a carne assada ao sol

na poeira das estradas

 

sobre o prato

o gosto que ficou   na boca

o pudor dos seus guardados

o orgasmo que não veio

 

depois do primeiro susto

virginia então em a mim

mastiga da minha carne

e deixa as sobras pros meus beijos

 

 musicada e gravada por Reubes Pess no CD AlmaFAZArte Rock And Blues



lugar de não sei onde

 

ancorei os meus cavalos

na boca da areia

as tripas retorcidas no galope

 

no areal a sinfonia

do ontem

um horizonte cinza

de um futuro que não chega

 

peixes flutuando

depois da asfixia

levo meus assombros

para um lugar de não sei onde 




poema 5

                                                              para Jorge Ventura

 

a faca não cala do poema a fala

Dionísio Neto de Bacco

quem sabe filho de Zeus

jantou como a Santa Ceia

na casa de Prometeus

 

nas madrugada de Bento

lambeu o vinho nos seios

das Bacantes no convento

por todos poros do corpo

por todos pelos  e meios

 

depois grafitou nas vidraças

com dedos de diamantes

a Rosa de Hirochima

num coração estudante

  depois de romper o dia

 por volta da seis e meia

era um coração de poeta

          com poesia na veia

 

 poema 10

 

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora são dentes  famintos

cravados na memória


poema 11

 

escorre - nus

teus seios

espumas que jorrei

em tua boca

 

ainda existe algo

entre as coxas

e as costas

algas - água

o sal da língua

que lambeu a tua ostra


poema 12

 

tem algo errado

nessas estatísticas de mortes

dessa pandemia

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que transformaram esse país

que nunca foi  uma nação


 

poema 13


 

arranco mais uma pérola

do ventre de hilda triste

na porta da tua casa

meu poema ainda insiste

 

a menina que matou o tempo

o vento também comia

na lâmina o catavento

pra espantar a maresia

 

nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

bateu uma pedra no rock

e nos levou na ventania

 


poema 17

com os dentes cravados na memória

para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros

 

I

 

por todos anos 80

ipanema 83 flora recém nascida

e eu chegando aos 40 

gomes carneiro  visconde de pirajá

bem próximo ao carinhoso

bartolo com seu trumpete

depois que a noite dormia

tocava  uma pérola negra

e beijava o novo dia

 

no boteco de onde estava

conselheiro lafaiete

refúgio da boemia

me acordou com seu trumpete

clarividência aflorava 

 sonoridade – melodia

logo depois era drummond

na praça general osório

pra enriquecer meu repertório

na pedra da poesia

 

 

 

II

 

ipanema 84 filipe recém nascido

por esses tempos vividos

naquela  aldeia carioca 

com todo vapor barato 

 

na tribo os sete sentidos

nesses dentes da memória

os 5 presentes no corpo

outros 2 ganhos no tapa

pelas ruas de ipanema

ou pelos becos da lapa

 

 

 

                                                                                    poema 21

 

nos meus delírios baudeléricos

ou mesmo fossem baudelíricos

sonho teu corpo flor de cactos

como se fossem flor de lírios

 

toco teus pelos flor do mangue

pulsando sangue em teus martírios

penso teu sexo flor de lótus

sagrada flor dos meus delírios

 

 

resumo

 

ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me folhas de papel em branco.


pedra

punho

porra

 

uva

ovo

ova

 

quem me acusa

 de poeta pouco

juro que não prova 


Goytacá Boy 2

 

araraquara guaxindiba itaocara grumari

o que liga essas palavras ao  eu vocabulário

a carne índia o sangue a cachaça paraty

grussaí guarapary baia da guanabara

 

juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara

 

capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba

piracicaba pirapora piraí paranapiacaba

 

vim da tapera carioca do roçado do aipim

cacomanga minha toca  meu coração ururaí

tupinambá goytacá tupiniquim

 

 quanta selva quanta  mata desmatada

desde o dia que o português pisou aqui 

 

para falar para lamber para lembrar

da sua língua arco íris litoral

como colar de uiara

é que eu choro como a chuva curuminha

mineral da mais profunda lágrima

que mãe chorara

 

para roçar para provar para tocar

na sua pele urucun de carne e osso

a minha língua tara

sonha cumer do teu almoço

e ainda como um doido curuminha

a lamber o chão que restou da Guanabara

 

 juntei meu goytacá

 seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi

em sua boca caiçara

 

gargaú guriri itapevi abapuru

minha musa antropofágica tem o nome de pagu

 

tarcila anita d´alkmim itaim

guarujá piratininga itapetinga itaquera

quantas palavras ensanguentadas nas taperas

 

santeiro do mangue minha pátria meu tesouro

100 anos se passaram como vento

e são paulo transformou-se

nessa  selva de concreto uma cidade de cimento

 


olho de lince

para Tchello d´Barros

onde engendro
a Sagarana

invento
a Sagaranagem

entre a vertigem
e a voragem


na palavra
de origem

entre a língua
e a miragem

São Bernardo e Diadema


mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema


profissão de peixe

para rubervam du nascimento

 

em 1993 ele nadou para Santo André

veio no Alpharrabio nos mostrar o seu destino

1994 me fez nadar para Teresina

para falar Torquato Neto e Mário Faustino

esse peixe de natureza nordestina

              me ensinou que é possível

nadar contra a corrente  quando se quer

 nem precisa  cheirar flores do mal

muito menos despetalar o mal-me-quer

pode ter pedras no meio do caminho

pode ter lama nas asas do avião

ou no seixo  carcomido do carrinho    

que esse peixe quando se alimenta em cajuína      

                         tira a palavra da rotina

e a coloca no sagrado altar da epifania

como cronos previu que  algum dia

nadaria em  águas turvas   maresia

      para colocar cada poema

na dimensão de um Joice ou Dante

sendo ele nordestamente um imigrante

nadou para mais perto do nosso porto

singular  

para que o

olho gótico possa seus inversos no avesso alcançar 




 Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso – 2015), Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019).

Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 – Tem inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memória)

Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002.

Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira

Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo.

Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado.

 Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ

Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.

Em 2021 lançou dois e-books – Poesia Para Todas As Horas O Homem Com A Flor Na Boca ou O Poeta Enquanto Coisa.

Desde 2007 produz performances poéticas com videopoemas.

Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba-SP.

Integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP

Com seu videopoema  Goytacá Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNARTE Rio com curadoria do multiartista Tchello d ´Barros.



Fulinaíma MultiProjetos

fulinaima@gmail.com

(22)99815-1268 –whatsapp

www.fulinaimgens.blogspot.com

PoÉticas ArturiAnas

www.arturkabrunco.blogspot.com

Live em homenagem a Antônio Cícero

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