TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA  DESTA 
PÁTRIA A(R)MADA
1
Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.
Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica
profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.
Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.
Impressões (iniciais) 
de "Pátria A(r)mada": 
Por Nic Cardeal 
Ademir Assunção está corretíssimo - sua poesia, Artur, não é literatura que se conforma em permanecer apenas nas páginas de um livro, pois a sua palavra é feita muito mais de som - de GRITO! - do que de apenas letras grafadas sobre o papel. E esse som entra não somente pelos ouvidos, mas também transpassa através da pele e por toda a cartografia do corpo, como uma tatuagem latejante, marcando fundo todas as suas texturas, até alcançar as veias, os veios, misturando-se ao sangue, à seiva nossa de cada dia, para finalmente alimentar a alma com força, resistência, e também com a revolta/dor necessária à sobrevivência da esperança! Em "Pátria A(r)mada" essa revolta é imensa, diretamente proporcional aos absurdos do capitalismo que nos tem devorado em variados âmbitos e sentidos. Sua inquietude poética é a força necessária para que não sucumbamos nos abismos do conformismo e da resignação, e possamos seguir adiante, ainda que os tempos estejam cada vez mais obscuros... mas há também o amor (ainda bem!), sobreposto à miséria da realidade nua e crua de um país despedaçado e submisso às mais variadas formas de violência daqueles "poderes" desumanos, armados até os dentes... Muito bem escolhido o título do livro, que de "Pátria amada" foi transformado em "Pátria armada", retrocedendo a um fascismo nojento após o golpe explícito de 2016. A sua denúncia é política, social, cultural, humanitária, ética, estética - e poética! Lerei muitas outras vezes, para absorver com mais vagar cada poema! Parabéns!
Sua poesia é viva - e é vida! Adorei! Grande
abraço!
fome 
come osso menina
come osso menino
não há mais metafísica no mundo
do que comer osso
no açougue ou no mercado
osso de graça já foi dado
hoje é vendido hoje é comprado 
come osso maria
come osso mané
come osso joão
com arroz e feijão quebrado 
porque nesse país sem nome
temos que comer osso
para matar a nossa fome 
da pátria, filho
ver demente 
a mãe gentil
já raiou
a liberdade
em cada cano de fuzil
salve lindo
fuzil que balança
entre as pernas
a(r)madas da paz
a 
gripezinha
era a certeza esperança
de um genocida
imbecil incapaz
antropofagicamente
vamos comer  devorar 22
por  dádiva do divino
ou desse ser que não tem nome
vamos comer - devorar 22
como quem come ossos bovinos
 para não morrer de
tanta fome 
depois 
A vida
sempre em 
suspense
alegria prova dos nove 
fanatismo nã0 me convence
muito menos me comove 
           para Fernando Aguiar 
Aqui redes em pânico
pescam esqueletos no mar 
esquadras  descobrimento
espinhas de peixe convento
cabrálias esperas relento 
escamas secas no prato 
e um cheiro podre no AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
é surreal a nossa realidade
tubarões famintos devoram cadáveres
em nossa sala de jantar 
como levar o   barco
em meio a essa tempestade
navegar é preciso 
mas está dificilíssimo navegar 
Deus não joga dados
mas a gente lança
sem nem mesmo saber 
se alcança
o número que se quer 
mas como me disse mallarmè
:
- vida não é lance de dedos 
A vida é lança de dardos 
Deus não arde no fogo
                   mas
eu ardo 
                                                     
EuGênio Mallarmè 
poema
a(r)mado
todo os dias
capino a esperança
escavando outras palavras 
no chão desse quintal 
e quando escrevo com enxada 
o poema é mais real
 
cacomanga 
na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais
quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma
determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do
universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema           que não me dá sossego
testamento
a tesoura rasga o tecido da carne
enquanto sangra 
no processo cirúrgico do poema
corta de cada palavra a sílaba
que não presta 
de cada frase a palavra
de cada sílaba a letra morfa 
e o poeta vai vivendo no que resta 
fulinaíma sax blues poesia 
                     ela era Bruna
em noite de blues rasgado
soltou a voz feito Joplin
num canto desesperado
por ser primeiro de abril
aquele dia marcado 
a voz rasgou a garganta
da santa loucura santa
com tanta força no canto 
que até hoje me lembro
daquela musa na sala
com tua boca do inferno
beijando meus dentes na fala 
no universo paralelo
tenho mestrado Bíblico
em chá de cogumelo
                    Federico Baudelaire 
pássaros elétricos
vivem a vida por um fio
                                                
Federika Bezerra 
                                       Dê
livros
                                       Dê
Beijos 
                                       Dê
Lírios 
pan(demônica)
para Salgado Maranhão
inspirado no seu poema Pá
passeio os pés descalços
sobre covas rasas
contando ossos no poema          
Gigi Mocidade exposto
no sujeito do objeto 
tudo isso exposto
nesse papo reto
segue o passo norte 
não leio cartas de suicídio
nem decreto de hospício
na tentação que me conforte 
quero matar o genocídio
pra não morrer antes da morte 
metáfora
Quem 
cada poeta tem a sua pessoal linguagem vertigem voltagem
espanto. alguns tem até desmaios. uns escrevem outros cantam outras falam.
conheci um que me dizia ouvir vozes não só apenas Ferreira Gullar. uma outra
queria ter meu fogo. uma outra é a mulher que só em sonhos sabe o quanto
bem-me-quer. outra se assanhava diante do espelho. alguns são mágicos como uns
que brincam com o sal do maranhão. outros são flechas certeiras atiradas em
nosso peito. dois que conheci dando os primeiros passos um pensava na fábrica o
outro em Regis Bonvicino, hoje um corsário o outro cult. nem sei porque estou
escrevendo isso. é que ontem conversando com um por telefone descobri mais um
montão de particularidades sobre ele. conheci um também grande mestre e amigo
que só queria saber de escritemas e gostava de ensinar curto circuitos. agora
esse é Quem e chegou ontem em Campos na casa da minha irmã depois de 2 meses
postado nos correios em São Paulo. me lembro agora dos passeios com Flora na praça General Osório em
Ipanema que encontrava sempre um que me dizia ter um poema escrito só com a
palavra Bunda mas que só permitiria ser publicado depois da sua morte e gostava
de afirmar também que prefácio não é bengala. eu sou um Homem Com A Flor Na Boca, de cactos, de lótus, de lírios que me
trazem conteúdo. e baudelérico baudelírico despetalo pétala por pétala com
espinhos com talo com tudo.
Couro Cru & Carne Viva
I
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
II
salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes
III
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
IV
meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram 
no Ipiranga 
às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
V
só desfraldando
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
1º de Abril
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta
VI
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl
minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
VII
o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná
VIII
o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank
IX
ó baby a coisa por aqui 
não mudou nada
embora sejam outras 
siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema
BraZílica Pereira
desta sopa de farelos
PESSOA
não tenho pretensões
de ser moderno
nem escrevo poesia
pensando em ser eterno.
veja na minha língua
as labaredas do inferno
e só use o meu poema
com a força de quem xinga.
GENITAL
pasto no cosmo
a soja secular de Jardinópolis
onde os discos-voadores
sobrevoam meu nariz
na cara das metrópoles.
no centro ao sul
os cemitérios
possuem mais mistérios
que a nossa vã filosofia.
tem um animal de vagina espacial
na poesia
&
e um grande pênis roxo
milenar
feito espiral em círculo
preparando imenso orgasmo
pra festejar o fim do século. 
TROPICALIRISMO
GIRAssóis pousando
Nu – teu corpo: festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana
no teu fogo farto
lambuzando a uva 
de saliva doce.
LENÇÓIS
DE RENDA
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas
com as unhas
arreganhar as tuas fendas
desatar todos os nós
da tua cama arrancar os cobertores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobre humana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e fruto
como quem dá de comer aos animais
ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS
O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos
dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?
O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas
de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?
O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.
ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de
poeta delirante  nesta noite cada vez
mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?
LUNÁTICA
um gato noturno
atira pedras nas estrelas
palavras e mais palavras
na carne da princesa.
onde o papel não bate
onde o pincel não toca.
o gato noturno lambe a barriga
bem perto da virilha
e trepa
no muro mais próximo
tentando alcançar o outro lado da lua
em seu instante letal
de desespero      
e                       solidão. 
                                    FROYDIANA
azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
Dracena – é uma terra roxa
nave extra terrena 
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem 
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas
apodrecem nos teus dentes
com um cheiro de leite ardente
esguichando na distância.
pá t ria a(r)mada
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão
danado
perturbando o seu
destino
e só me queira
encapetado
profanando aqueles
hinos
malandro moleque
safado
depravando os seus
meninos
só me queira
enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em sua cama sol à
pino 
e só me queira
desalmado
cão algoz e
assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não
assino 
alguma poesia 
não bastaria a poesia cristalina se rasgando o corpo estão muitas meninas tentando a sorte em cada porta de metrô e nós poetas desvendando palavrinhas vamos dançando uma vertigem no tal circo voador.
não bastaria todo riso pelas praças nem o amor que os pombos tecem pelos milhos com os pardais despedaçando nas vidraças e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria toda poesia que eu trago em minha alma um tanto porca, este postal com uma imagem meio Lorca: um bondinho aterrissando lá na Urca e esta cidade deitando água em meus destroços pois se o cristo redentor deixasse a pedra na certa nunca mais rezaria padre-nossos e na certa só faria poesia
com os meus ossos.
Suor
& Cio 
                                         Indigesta
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz
onde se deu 1ª missa
 índio rima com carniça
no pasto pros urubus
oh! My  Brazyl
ainda em alto mar  
Cabral quando te viu
foi logo gritando:  
- Terra à 
Vista! 
 e de
bandeja te entregando 
 país de tanta miséria
Tecidos sobre a Terra
Terra, antes
que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja
tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida 
entre aberto
em teus ofícios é que meu peito de poetasangra ao corte das navalhas e minha
veia mais aberta é mais um rio que se espalha
amada de
muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente
fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói
é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por fidelidade
ó terra
incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro
à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e um punhal diamante
minha terra é
de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus
grilhões a voz que tenta – avança
plantada em ti como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta
MOENDA
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
: 
o saldo e o lucro
carne proibida
o preço atual
proíbes que me comas
mas pra ti estou de graça
pra ti não tenho preço
sou eu quem me ofereço
a ti: músculo e osso
leva-me à boca
e completa o teu almoço
 A Traição das Metáforas 
1968
ou
: a investigação
uilcorneana
quem és tu uilcon pereira
que foste fazer na sorbonne?
ter aulas com Sartre
ou cantar a Simone? 
drummundana itabirina
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando
falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher.
braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias,
faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos
habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito
vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando
estrelas no cruzeiro. mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu
mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da
louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca. 
                           poema 1
entre a pele e a flor no asco com meia sola no sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor e o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba sendo
                            poema 2
debaixo da sacada a escada torta
pássaro sem teto acima do delírio
coração de porco crava no oco da noite
a faca cega, punhal de cinco estrelas
na constelação do cão maior
por onde Úrsula nua passeia
Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá
no coração do pintor sem fronteiras
acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá
Malásia não é aqui Espanha não além mar
Salvador não é Dali
a mulher que eu quero mesmo
e uma Dedé que não Dadá
Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá
constelação ursa maior
pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor
quando quero quero mesmo
espuma nylon pele tecido isopor.
poundianna
Torquato era uma poeta
que amou a Ana
Leminski profeta
Que amou Alice
um dia pós veio Uilcon torto
pegou a Jóia di Ana
 e juntou na PereirAlice
com o corpo de alma das duas
foi Bouvoir Assombradado
pra lá de França ou Bahia
roendo o osso do mito
pois tudo que Sartre dizia
o Anjo jurou já ter dito
Nonada
:
-  Biúte ria
 
poema seis
estando quase
sempre e mesmo
estando
esteja breve
assim como uma letra
escrita a lápis
numa estrela
aquarela rabiscada a giz
estando por um raio
esteja por um triz
curto circuito
                     
                       
 fulinaimicamente 
brasileiro sou bicho do mato brasileiro sou pele de gato brasileiro mesmo de fato yauaretê curumim carrapato 
em rio que tem piranha jacaré sarta de banda
criolo tô na umbanda índio fui dentro da oca
meu destino agora traço dentro da aldeia carioca
Jackson do Pandeiro Federico Baudelaire nas flores do mal me quer Artur Rimbaud na festa de janeiro a fevereiro Itamar da Assumpção olha aí Zeca Baleiro no olho do mundo cão
fulinaíma
misturei meu afro reggae a muito xote do xaxado ainda fiz maracatu maxixe frevo já juntei ao fox trote quando dancei bumba-meu-boi em Pernambuco
fulinaíma é punk rock rasgando fados em bossa nova feito blues para
pintar a pele branca de vermelho e repintar a pele preta de azuis...
botei sanfona no rufar desse baião tambor de minas capixaba no lundu no Paraná berimbau de capoeira dancei em noites de luau no Maranhão
mas em São Paulo as pedras quando rolam pelos céus de nossas bocas meu irmão fulinaíma azeita o caldo da mistura para fazer o que não jazz ainda soul
porção de restos de alguma partitura que algum músico com vergonha recusou por ser estranho o que naquilo descobriu mas se a gente canta no cantar essa ternura é que mamãe mamãe mamãe macunaíma ainda chora pelas matas do brasil
pornofônico
confesso
vampiresco 
um conto
mínimo 2 
poética 93
tenho nojo do Agro
o lança chamas no circo
o dado lance no jogo
a mulher que come fogo
congresso de picadeiro
trapacear no senado é mágica
executivo carniceiro 
poema não é brincadeira
                        mar de
lama  
aqui tem os mais profundos  bem mais fundo  os mais imundos minerais  o mar de lama mata a mata  não só ferro não
só ouro não  só prata mata muito mais  mata também o couro cru  a
carne viva                   meus
oriundos ancestrais
pandemônica
2
como
preservar a Amazônia como exterminar a miséria se as 7 patas da Besta cavalgam pelo
 planalto?  poema de 7 foices atrás da face anticristo e
nos palácios os crápulas com suas caras de vidro com suas bíblias e vícios   devastam para o pasto pro  gado queimam 
florestas e bichos queimam a fauna e a flora matam em nome de cristo por
algum pastor são ungidos  nunca vi tanto
canalha nesses       pantanais reunidos
                boca do inferno 
por mais que te amar seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra nós
eu quero mais é o teu pudor de dama
despetalando em meus lençóis
e se tiver que me matar que seja
e se eu tiver       que
te matar que morra
em cada beijo que te der amando
só vale o gozo quando for eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do inferno
gomes & gumes 
todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes se um corta com palavras a outra com corte mesmo se um é produto da fala a outra do ódio a esmo todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes e um amor cego nas asas brilhante de vagalumes se em um a linguagem é sacana na outra o corte é estrume todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes se em um peixe é palavra na outra o brilho é cardume é fio estrela na lavra mal cheiro vício costume de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes se em um a coisa é sagrada ofício provindo das vísceras na outra a fé é lacrada hóstia servida nas missas se em um é cebola cortada aroma palavra carniça na outra o ferro, é tempero, fé cega - fome amolada
por entre trilhos e trilhas
por entre tralhas e troços
nos trapos do lamparão 
foto grafando os destroços
dos frutos podres no chão
cacomanga
2
ali nasci
minha infância 
era só canaviais
ali mesmo aprendi
 conhecer os donos de
fazenda
e  odiar os generais.
no poema
o que ficou?
                         para Cesar Augusto de
Carvalho 
no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema
ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada
onde era mel agora é  pus
no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o
abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no
decreto
no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse
circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral
analfabeto
no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz
no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra       tanta
cruz. 
pátria que pariu
                                        para
Rubens Jardim
os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem futuro peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!
nem sei em que planeta estamos hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas esperma já virou porra nesta pá(t)ria que pariu a besta fera
ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas
                  a barra
o rio é uma passagem
para encarar a barra
                      
de frente
a rede pode prender o peixe
mas não me prende
                        os dentes
pesadelo ou nem Freud explica?
ontem sonhei com a mulher dos
sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não
estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e
me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem
fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do
outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela
espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto.
era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos
quando percebi quem era acordei.
afrodite
se quiser
zeus me fez fulinaímica
neta de macunaíma
bisneta de baudelaire
                                              
Gigi Mocidade
estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho
d´água
à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu
dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim
me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus
cabelos de milho e ela me perguntou o que era
mini
conto - a faca
poesia não é manchete de jornal para espremer escorrer sangue e o poema não pode ser facada que entra na carne mas não sangra como aquela em Juiz de Fora que até agora ninguém me explicou o melodrama estava li e não vi Adélio no curral do tal comício palanque armado para levar o brazyl a uma quaderna - pra fazer do país um precipício
catando
cacos de cogumelos azuis
procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando blues - vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente - a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto - imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido - ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole - depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios - ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão - vivi-ane quase teve um troço ao ver o utensílio vazio.
cabaré brazilírico
nesse país
das merdavilhas
podres poderes são formados
                   
pelos canalhas das quadrilhas
a quadrilha oficial
tem tentáculos espalhados
por todo território nacional
o circo está na lona
quero ver quem vai ser
o palhaço dessa zona
15 de novembro estou na praça
porque vai ter marmelada
no cabaré da pátria a(r)mada 
cacos de cogumelos azuis
alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus
neurônios carrapato imburi macuco muritiba ariticum lagoa dos paus  sossego a vida aqui vive enrolada em seus
novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não
anda quando dorme é pesadelo
enigma número 2
arde em minha mãos teus poros
minhas unhas ainda queimam
dentro o sal das tuas águas
outubro era quase um mar folhas
no coliseu dos emigrantes italianos
e o vinho temperava nossas línguas
                    ao degustar a santa ceia
Clarice trigo do pão em minha boca
fermento de Zeus em nossa carne
no vale do Olimpo onde gozamos
os fachos de fogo em nossas veias
em tudo do amor que experimentamos
quando na mesa nos fartamos santa ceia
                         cato caco nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis lâminas de fogo nesse olho d'água algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios nos geradores desse Zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
com as unhas
                                 escrevo como quem
cata estrelas do mar na areia da praia
como quem come o rabo da arraia
                  montado no cavalo marinho
lambendo escamas de sereia
com os dentes cravados na memória
e as unhas entranhadas em tuas veias
          na espuma branca de um pergaminho
psic/analítica
não durmo. sonho.  Dédala passeia em minha cama sob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos  nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus  para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos
ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado
 nem à vista        porque  não pode se envolver
vertigem 12
nada em mim se concreta
no meu sonho - desconforto
concretude versus conkrEreções
Delírica
da janela  vou olhando o trilho de ferro
do vagão barato o brasil do globo   fica
lá distante em brazilírica  lá no meio do
mato.           a carne bela não viaja aqui
nem mora por perto da estação da  luz
aqui tem merda carne de terceira   lixo
de primeira   pele        podre             pus 
nunkrEreção negróide nada
nada nasceria naquela nação naturalmente naquela noite natimorta nadavera naverouca nenhuma nave nenhuma louca nenhuma nara não nasceria naquele norte nortistamente nem novidade naquele nojo nenhuma pouca naquela nuvem naquele nível naquelenada nunkrEreção nunkrerefalo nunkrerequero nordestamente nada nasceria naquele clero nem mesmo apolo num dionísio nem mesmo nero nenhuma ninfa nunkrere nunca naquele narda nenhuma nívea nenhuma névoa nenhuma násia nunca nascer de novo nem pedro nava naquele númem naquele nome naquela amásia nem nulidade nunkreretanto nenhuma náusea não nasceria naquela nação naturalmente nenhum nativo naquela noite do homem farda nenhum negroide - negróide nunca negroide nada
faca uilcônica mortal
estanco o cavalo do sonho
no teu quartel do princípio
papel cortado na resma
a mula pasta acordada
a besta pulsa assombradada
    no visgo quente da lesma 
trincheira
há uma gota de sangue
entre meus olhos
                      e os teus
e muitas velas acesas
pra salvar a nossa carne
e bocas cheias de dentes
mastigando a nossa morte
mas eles é que  morrerão
meu amor : num grande susto
        quando nus virem
amando nessa cama
         de ferro e de pau duro
obs.: este poema foi publicado no livro Suor & Cio -1985 -  musicado pelo saudoso amigo Edmar Ferreira, (Avyadores do BraZyl) 
poesia para desconcertos 
Dédalus
para Alberto Bresciani
e o seu magnífico Hidroavião
O poeta
pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos
não está pra peixe
este mar
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de naylon
degolam tartarugas
que morrem náufragas
na Av. atlântica
o poeta cata os cacos
que restaram desta pátria desossada
dentro da noite veloz
... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer. e se fôssemos como dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no dia ?
poética
trave suas baudeléricas estão me dando bad trip essa espessa nuvem de fumaça arregaça  meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta  e eu aqui pensando a quantas andam os projetos do meu filho
incorporação
para Igor Fagundes
esse poema bárbaro
com fonema brazilírico
vai fazer meu aramaico
incorporar o seu delírico
palavras que incorporo
dança vento movimento
folhas verdes no algodão
fulinaíma dançarino
sertão moleque esse menino
do frevo xaxado xote blues rasgado baião
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
                          
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
na tua língua com coentro
qualquer paixão re-invento
o corpo mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
  
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
seus olhos fogo na sala
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
Jura secreta 29
o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 
cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 
assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 
é que na sombra da tatuagem  sinal enfim permanente ficou pregando uma peça em nosso passado presente 
o nome tem seus mistérios que se escondem sob panos o sol é claro quando não chove o sal é bom quando de leve para adoçar desenganos na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 
Jura Secreta 37
a poesia é o fausto de uma farra 
Jura Secreta 40
bebo teu fato em fogo punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro aluga-se teu brejo no mar
que mar eu bebo afinal? 
Jura Secreta 41
juntei meu goytacá
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
em tua boca caiçara
Jura Secreta 43
Jura Secreta 53
sagaraNAgens fulinaímicas 
guima 
meu mestre 
guima 
em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 
ave palavra profana 
cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia 
teu grande Sertão vou cumer 
nem João Cabral Severino 
nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia 
me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 
a ferramenta que afino 
roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser 
Jura secreta 57
obscuro objeto do desejo
de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo  o labirinto
de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha
de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal meu bem-me-quer na tua boca
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem fome ou que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil estás fudido brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
                                                           Federico Baudelaire
Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio  - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus  
                                    ancestral
há muito tempo não recebo
cartas de ninguém
mas não rezo padre nossos
simplesmente para dizer amém
já fui católico rezei terços ladainhas
acompanhei a procissão dos afogados
na Tapera
para soletrar a palavra ca co man ga
e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na minha íris da retina
meu batismo de fogo
 foi numa Santa Cecília
entre víboras e serpentes
mordi a hóstia do padre
sua saia preta me levou ao pânico
de sonhar com  juízes
e hoje saber o que são
minha África
são os olhos negros
de Madame Satã
na língua tenho uma sede felina
na carne essa  fome pagã
sou um homem comum
filho de Ogum com Iansã
língua
minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa
mamãe coragem
numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora  fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora
o homem com a flor na boca
                              sorocaba blues
o cheiro de terra fendida
ainda está sob os sapatos
a carne assada ao sol
na poeira das estradas
sobre o prato
o gosto que ficou   na boca
o pudor dos seus guardados
o orgasmo que não veio
depois do primeiro susto
virginia então em a mim
mastiga da minha carne
e deixa as sobras pros meus beijos
 musicada e gravada por Reubes Pess no CD AlmaFAZArte Rock And Blues
lugar de não sei onde
ancorei os meus cavalos
na boca da areia
as tripas retorcidas no galope
no areal a sinfonia
do ontem
um horizonte cinza
de um futuro que não chega
peixes flutuando
depois da asfixia
levo meus assombros
para um lugar de não sei onde 
poema 5
                                                              para Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco
quem sabe filho de Zeus
jantou como a Santa Ceia
na casa de Prometeus
nas madrugada de Bento
lambeu o vinho nos seios
das Bacantes no convento
por todos poros do corpo
por todos pelos  e meios
depois grafitou nas vidraças
com dedos de diamantes
a Rosa de Hirochima
num coração estudante
  depois de romper o dia
 por volta da seis e meia
era um coração de poeta
          com poesia na veia
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora são dentes  famintos
cravados na memória
poema 11
escorre - nus
teus seios
espumas que jorrei
em tua boca
ainda existe algo
entre as coxas
e as costas
algas - água
o sal da língua
que lambeu a tua ostra
poema 12
tem algo errado
nessas estatísticas de mortes
dessa pandemia
multipliquem  60.000 X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que transformaram esse país
que nunca foi  uma nação
poema 13
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina o catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
poema 17
com os dentes cravados na memória
para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros
I
por todos anos 80
ipanema 83 flora recém nascida
e eu chegando aos 40 
gomes carneiro  visconde de pirajá
bem próximo ao carinhoso
bartolo com seu trumpete
depois que a noite dormia
tocava  uma pérola negra
e beijava o novo dia
no boteco de onde estava
conselheiro lafaiete
refúgio da boemia
me acordou com seu trumpete
clarividência aflorava 
 sonoridade – melodia
logo depois era drummond
na praça general osório
pra enriquecer meu repertório
na pedra da poesia
II
ipanema 84 filipe recém nascido
por esses tempos vividos
naquela  aldeia carioca 
com todo vapor barato 
na tribo os sete sentidos
nesses dentes da memória
os 5 presentes no corpo
outros 2 ganhos no tapa
pelas ruas de ipanema
ou pelos becos da lapa
poema 21
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor de cactos
como se fossem flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor de lótus
sagrada flor dos meus delírios
resumo
ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me folhas de papel em branco.
pedra
punho
porra
uva
ovo
ova
quem me acusa
 de poeta pouco
juro que não prova 
Goytacá Boy 2
araraquara guaxindiba itaocara grumari
o que liga essas palavras ao  eu vocabulário
a carne índia o sangue a cachaça paraty
grussaí guarapary baia da guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba
piracicaba pirapora piraí paranapiacaba
vim da tapera carioca do roçado do aipim
cacomanga minha toca  meu coração ururaí
tupinambá goytacá tupiniquim
quanta selva quanta mata desmatada
desde o dia que o português pisou aqui 
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima
que mãe chorara
 
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucun de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
juntei meu goytacá
seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi
em sua boca caiçara
gargaú guriri itapevi abapuru
minha musa antropofágica tem o nome de pagu
tarcila anita d´alkmim itaim
guarujá piratininga itapetinga itaquera
quantas palavras ensanguentadas nas taperas
santeiro do mangue minha pátria meu tesouro
100 anos se passaram como vento
e são paulo transformou-se
nessa  selva de concreto uma cidade de cimento
olho de lince
para Tchello d´Barros
onde engendro
a Sagarana
invento
a Sagaranagem
entre a vertigem
e a voragem
na palavra
de origem
entre a língua
e a miragem
São Bernardo e Diadema
mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema
profissão
de peixe
para
rubervam du nascimento
em 1993 ele nadou para Santo André 
veio no Alpharrabio nos mostrar o seu destino
1994 me fez nadar para Teresina 
para falar Torquato Neto e Mário Faustino
esse peixe de natureza nordestina
              me ensinou
que é possível
nadar contra a corrente  quando se quer
 nem precisa  cheirar flores do mal 
muito menos despetalar o mal-me-quer 
pode ter pedras no meio do caminho
pode ter lama nas asas do avião
ou no seixo  carcomido
do carrinho    
que esse peixe quando se alimenta em cajuína
                         tira a palavra da rotina
e a coloca no sagrado altar da epifania
como cronos previu que  algum dia 
nadaria em  águas turvas
  maresia
      para colocar cada
poema
na dimensão de um Joice ou Dante 
sendo ele nordestamente um imigrante
nadou para mais perto do nosso porto
singular  
para que o 
olho gótico possa seus inversos no avesso alcançar 
Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso – 2015), Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019).
Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 – Tem inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memória)
Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002.
Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira
Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo.
Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado.
Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ
Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.
Em 2021 lançou dois e-books – Poesia Para Todas As Horas e O Homem Com A Flor Na Boca ou O Poeta Enquanto Coisa.
Desde 2007 produz performances poéticas com videopoemas.
Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba-SP.
Integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP
Com seu videopoema  Goytacá Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNARTE Rio com curadoria do multiartista Tchello d ´Barros.
Fulinaíma MultiProjetos
(22)99815-1268 –whatsapp
PoÉticas ArturiAnas


