Anjo Torto
quando nasci Torquato Neto
veio ler a minha mão
tinha chegado de Teresina
com uma garrafa de cajuína
e um livro na outra mão
me disse aberto e franco
não tenha medo do inferno
seja um poeta moderno
cheire as flores do mal
que a poesia de Baudelaire
vai te salvar no final
Artur Gomes
www.fulinaimagens.blogspot.com
MAIS TORQUATO IMPOSSÍVEL
por Salgado Maranhão:
A 3 anos, aproximadamente, de uma conversa entusiasmada (num bar do Largo do Machado, Rio de Janeiro) que tive com um grupo de amigos, entre os quais Marcus Fernando, nascia a ideia de um filme sobre a vida e trajetória artística do poeta tropicalista, Torquato Neto.
Poderia ter se dado o que normalmente ocorre com os projetos sonhados em mesas de bares: nada. Porém, deu-se o contrário: no dia seguinte, Marcus me telefonou pedindo ajuda na aproximação com a viúva do poeta, Ana Duarte.
EM PRINCÍPIO, ELA se mostrou exausta de um assunto que há tantos anos lhe causava dores. Porém, logo ficou solícita, quando lhe garanti que seria um trabalho diferente de tudo que havia sido feito, até então, em torno da obra do poeta e de sua brilhante carreira.
Ontem (11/12), tive oportunidade de comprovar o que prometi à minha saudosa amiga que, infelizmente, nos deixou antes de poder comprovar o belíssimo resultado do filme "TORQUATO NETO --Todas as Horas do Fim", de Marcos Fernando e Eduardo Ades.
DIFERENTE DOS DEMAIS documentários, onde, em geral, um discurso linear acompanhe as cenas vividas, desde o início, pelo biografado, os autores adentraram-se numa pesquisa gigantesca, alargando o significante, trazendo ao debate as diversas interfaces e correlações de Torquato, não apenas com o movimento da Tropicália e os seus próceres de primeira hora, mas, mostrando um grande painel das ARTESmanhas em geral, em que o grande artista se envolvera.
Quero, aqui neste breve testemunho, declarar aos queridos realizadores desta instigante obra, meu entusiasmo por essa semente que explodiu em verdadeira poesia.
*Salgado Maranhão é poeta premiado (prêmio Jabuti e da Academia Brasileira de Letras) e letrista
LET’S PLAY THAT
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let"s play that
Torquato Neto
TORQUATO NETO, O VAMPIRO TROPICALISTA
Acabamos de assistir ao filme documentário “Todas
as horas do fim”, focando a trajetória do poeta maior do Tropicalismo. Sai do
cinema bem mexido, pois ali está a trilha sonora da juventude de uma geração de
brasileiros, como foi a minha, estudante secundarista daqueles inesquecíveis
anos de brilho e chumbo.
Torquato tem uma grandeza enorme para nós, não só pela sua poética transitando forte em nossas veias, mas pela tentativa de uma revolução cultural tropicalista nos anos 60/70, onde foi um dos líderes, abortada pela brutal repressão de uma sanguinária ditadura militar.
“Torquato Neto foi, na sua lucidez, o mais teórico
dos tropicalistas convictos desde o início. Sua educação e formação cultural
lhe conferiram uma posição de grande respeito. Mas, ao contrário da brilhante
dupla Gil-Caetano, acrescida de Capinam & Tom Zé (para nos atermos aos
compositores baianos daquela capa do LP Tropicália), Torquato não deixou sua
vida ser levada ao sabor de ventos. Desde logo fixou-se numa meta trágica, a da
própria morte.”
Depoimento do produtor e pesquisador musical Zuza
Homem de Mello, no documento “Tropicália 20 Anos”, produzido pelo SESC SP, em
1987.
Agora, 50 anos depois do auge do movimento
tropicalista (1967), Torquato começa finalmente a ser redescoberto e sua poesia
vem sendo revisitada em livros, regravações e documentário. Como disse Augusto
de Campos citando Décio Pignatari: “na Geléia Geral brasileira, alguém tem de
ser osso e medula.”
Portanto, destaque para o belíssimo “Todas as
horas do fim”, de Eduardo Ades e Marcus Fernando com Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Tom Zé, onde é alinhavada a trajetória de vida do poeta, cineasta,
compositor e jornalista, que foi uma das cabeças, junto com Rogério Duarte,
Helio Oiticica, Glauber Rocha e José Celso Martinez, das mudanças culturais
brasileiras dos anos 60 e 70.
Inclua-se dentro desse pacote torquateano, o livro
“O risco do berro” de Isis Rost, cuja programação visual (fotos, ilustrações,
memória e diagramação) segue a trilha da fragmentação tropicalista dos anos 70,
com uma narrativa poética aguda e reveladora por parte da autora. Embora nada
acadêmico no sentido clássico, o livro é mesmo uma quase-tese sobre a obsessão
do poeta pela morte e pela loucura.
Outro livro que merece destaque é o “A Carne Seca
é Servida” de Kenard Kruel, com apresentação de Durvalino Filho, uma pesquisa
das mais profundas sobre o poeta criador da revista NAVELOUCA.
Luis Turiba
um quarteto de
passos
na corda bamba
( pós - Torquato )
primeiro passo
desocupar rápido
esse espaço.
não há como
se virar.
encaixotados
germinam
tumores.
segundo passo
invadir vasto
teu corpo -
ócio
vazio ósseo.
não há poesia
se faltar.
a feliCidade é
uma fábrica
de horrores.
terceiro passo
sentir tátil
a físsil
forma fóssil
do salto.
não há como
se calar.
escorrem
gritos
das gretas.
quarto passo
coma meus
olhos
esqueça.
garbo gomes
10:15 am
03.02.24
Intertexto :
Primeiro passo é tomar
conta do espaço...
Antes ocupe
depois se vire.
Torquato Neto
Arte :
Jean Michel
Basquiat
Stardust
( 1983)
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