ditadura
ditadura
palavra
dura
tão
dura
que dói
Cabresto
me fiz
feliz feito besta
feito
besta andarilhei
de
repente, parei.
de
soslaio, bestas-feras
me
armavam um cabresto.
sorri e
disse
só to
feliz feito besta
porque
de besta me fiz feliz
e não
preciso de cabresto
se fizesse da prosa, poesia
se fizesse da poesia, prosa
em vinte e quatro quadros
a arte da vida projetaria
e me calaria
cut-up
hoje assaltei Cabral
tesourei Edgard
mastiguei Oswald
nada sobrou
palavra!
passo a passo
passo
carros, árvores
passo
passos apressados
passo
jornais, revistas
passo
manifestantes
passo
tela de TV
passo
glórias antigas
passo
passo errado
passo
autoridades
passo
passo em falso
passo
amigos do rei
passo
passo extremo
passo
gente armada
passo
passo errado
passo
passam mentiras
passo
ódio e raiva
passo
passo a passo
passo
carros, árvores
passo
pássaros voam
Cesar Augusto de Carvalho
Curto Circuito
Editora Patuá - 2019
POEMAS
1.
daqui
do meu
ventre
uma língua selvagem:
a ânsia
furiosa de nomear
o mundo e de dizer:
[amo-te em toda a minha
combustão].
2.
acordam as vielas num
olhar de chão,
os lábios
presos aos dedos que matam:
é preciso dizer não,
deixar cair,
absorver o vento na sua
dimensão maior
a dimensão que as palavras
cristalizam [ou que não cristalizam
ou que deixam cair num
olhar de vácuo
as palavras os signos que
representam apenas o que
posso deixar sentir,
o que o meu corpo sugere,
o que o meu corpo ama,
o que os meus dedos
encobrem num mistério de folhas.
3.
porque a palavra não é mais
porque se quebrou o sentido
da nossa visão
toda a vertigem / todas as palavras
são um chamamento para
o lugar dos mortos.
4.
nada fica por detrás
tudo é claro, tudo
se alimenta no latido
dos cães.
5.
para Rainer Maria Rilke
não percebemos o gato na sua identidade
como também ele não nos percebe na nossa
perante a Paisagem,
o gato será apenas um gato, felix silvestris catus,
originário do egipto antigo, animal amado
por homens, mulheres, escritores
perante a Paisagem,
o gato tem um olhar livre de palavras
e habita um mundo ainda não nomeado,
sem uma simbólica ou um sentido claro
de existência
se, da Paisagem,
um pequeno pássaro voar até ele,
será apenas isso: alimento, nutrição,
algo que possa segurar ou deixar fugir
nós, contudo,
chamamos a uma águia-real
o animal mais magnífico dos céus
e chamamos ao nosso desejo de expressão
criatividade e ao que nasce das nossas mãos
linguagem, poesia, literatura
e cremos, também,
que a nossa identidade está predeterminada
e que nunca se perde
e que a nossa humanidade se garante
no próprio facto de existirmos
contudo,
perante o olhar de nós mesmos,
os mortos da Paisagem observam-nos,
[sem uma língua que possa nomear
o espaço aberto à sua volta.
Jorge Vicente
nota biográfica: Jorge Vicente nasceu
em 1974, em Lisboa, e desde cedo se interessou por poesia. Com Mestrado em
Ciências Documentais, tem poemas publicados em diversas antologias literárias e
revistas. Faz parte da direcção editorial da revista online Incomunidade. Tem cinco livros
publicados, sendo o último cavalo que
passa devagar (voltad’mar: 2019).
Contacto: jorgevicente.seacarrier@gmail.com
foto: Ozias Filho
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